No Brasil, as primeiras manifestações resultantes da exploração colonial ocorreram na segunda metade do século XVII, com a Restauração (1640) e a conseqüente política restritiva metropolitana. Após a dominação espanhola, o Estado português passou a ver o Brasil como a tábua de salvação para a profunda crise econômica em que se encontrava mergulhado. Como colônia de maior valor econômico, o Brasil começou a ser sistematicamente explorado, o que acabou gerando descontentamento por toda parte. A revolta de Beckman (1684), no Maranhão, deu início a uma cadeia de revoltas. Entretanto, esta e outras guerras (dos Mascates, em Pernambuco, e a revolta de Vila Rica) apresentavam um caráter reformista. Não eram revoltas que contestavam o pacto colonial, nem defendiam ainda a independência.
Os revoltosos limitaram-se a pedir um abrandamento da política opressiva da metrópole. Somente na segunda metade do século XVIII, as rebeliões coloniais atingiram dimensões mais profundas, ao questionar a própria dominação metropolitana na colônia.
MOVIMENTOS DE LIBERTAÇÃO COLONIAL
Minas Gerais era o centro econômico e intelectual da clônia no século XVIII. Talvez isso explique o fato de ter sido em Vila Rica, a capital da capitania, que tenha ocorrido o primeiro movimento de libertação colonial, a Inconfidência Mineira.
Em Vila Rica, a opressão tributária se fazia mais clamorosa, onerando a população e agravando as condições econômicas da capitania. A intelectualidade se congregava na Arcádia Mineira, cujos principais membros foram os poetas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Silva Alvarenga, Alvarenga Peixoto e outros.
Na preparação da Inconfidência, uniram-se elementos das classes médias urbanas de Minas Gerais: padres, militares, estudantes, poetas e alguns proprietários de terras. Entre esses homens poderosos, ricos e influentes, destacou-se um homem de condição socioeconômica humilde, o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
A insatisfação pessoal de Tiradentes e seu sonho de glória levaram-no a assumir publicamente o descontentamento e a contestar a dominação portuguesa. Tais idéias foram absorvidas pela rica elite de mineradores e proprietários rurais de Minas Gerais, e dessa rica elite plutocrática saíram os principais líderes da Inconfidência.
Entretanto, a problemática de maior relevância social – a escravidão – não foi levada em consideração. Alguns inconfidentes chegaram a lançar a hipótese de libertar os escravos, mas isso se chocava com os interesses de muitos deles, ricos proprietários e donos de escravos. A idéia foi rejeitada.
Essa postura ideológica dos inconfidentes deixou claros os limites que a sociedade escravocrata impunha ao liberalismo. A abolição da escravidão não podia ser adotada por uma elite que marginalizava as camadas populares e que estava liderando um movimento em prol dela própria. E, de fato, podemos afirmar que a Inconfidência Mineira foi um movimento da elite para a elite. Mais uma vez, a massa ficou marginalizada no processo.
Apesar do seu insucesso, a inconfidência deve ser destacada devido ao seu projeto político. Pela primeira vez, o pacto colonial era posto em xeque. Existia um programa de organização política para o período posterior ao rompimento com a metrópole. Esse programa foi inspirado na filosofia iluminista, cujo agente no Brasil parece ter sido Álvares Maciel que, em seus contatos na França, acabou ligando-se à maçonaria, foco criação e irradiação do Iluminismo.
Assim, os inconfidentes pregavam o estabelecimento da República, o desenvolvimento da manufatura e a criação de uma universidade em São João del Rei. A derrama foi o pretexto para o movimento. Entretanto, ela foi suspensa em virtude da delação de Joaquim Silvério dos Reis.
Tiradentes foi a única vítima, condenado à morte na forca e a posterior esquartejamento. Em 1798, precisamente dez anos antes da chegada da Família Real ao Brasil, a Bahia foi palco de mais um movimento em prol da libertação colonial; a Conjuração Baiana, também chamada Conjuração dos Alfaiates. Devemos estabelecer, inicialmente, distinções entre a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana.
A Inconfidência Mineira foi um movimento eminentemente político, influenciado principalmente pelo movimento de independência norte-americano baseado no iluminismo e liderado pela elite endinheirada e intelectual.
Um elemento estava vinculado ao outro, pois foi a atitude metropolitana que levou a colônia a tomar consciência de sua situação. A emancipação política, objeto do movimento mineiro, já fazia parte do universo do “colonizado”. As inconfidências foram manifestações concretas das contradições geradas pela crise do sistema colonial. No movimento baiano, notou-se uma radicalização maior: a luta pela liberdade apresentou um projeto político inspirado na Revolução Francesa, na fase orientada pela liderança jacobina.
Em 1797, assistiu-se à fundação da primeira sociedade secreta no Brasil, de inspiração maçônica francesa: os Cavaleiros da Luz. Os membros dessa entidade constituíam a intelectualidade baiana: padre Agostinho Gomes, Cipriano Barata, Francisco Munis Barreto e Hermógenes Pantoja. Foram traduzidos textos iluministas de Voltaire e de Rousseau, propagando os ideais revolucionários da França.
A circulação de panfletos iniciou a conjuração, que pregava a emancipação sob o nome de República Baianense. O povo foi convidado a participar do movimento. A repressão não se fez esperar e o governador da Bahia, Fernando José de Portugal, prendeu os implicados: Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas (mulato), ambos do Exército e alfaiates; João de Deus e Manuel Faustino (mulatos).
Indivíduos da camada superior também tomaram parte do movimento, como é o caso dos Cavaleiros da Luz, mas só os das camadas populares – escravos, artesãos, soldados -, quase todos mestiços, foram condenados à forca. Os demais, homens da intelectualidade de projeção social, foram poupados.
Mais uma vez, Portugal matava implacavelmente os rebeldes de baixa condição social, mas não conseguiu matar as idéias liberais emancipacionistas.